Mordechai é polonês. Tendo sido aprisionado em um campo de
concentração nazista em Chelmno, integrou o Sonderkommando do campo.
Sobrevivente, depôs no processo de Eichman. É um dos personagens do filme de
Claude Lanzmann, Shoah, filmado por mais de 10 anos e lançado em 1985.
- O que morreu nele em Chelmno? Pergunta Lanzamann.
Mordechai Podchlebnik responde: - Tudo morreu. Mas eu sou humano e quero apenas
viver. Então tenho que esquecer.
Enquanto diz essas palavras Mordechai sorri. Sorri durante a entrevista, sorri quando lhe
perguntam se está vivo, sorri quando lhe perguntam por que sorri. Ele responde
- O que quer que eu faça? Que chore? As vezes se chora, as vezes se sorri. E se
você está vivo, melhor sorrir.
Mordechai fala em polonês. Originalmente sem legendas, uma
tradutora revela ao espectador o sentido das palavras de Mordechai em francês.
Brasileira, eu leio a legenda em português que me traduz, não a fala de
Mordechai diretamente, mas a fala da tradutora francesa. Esse atraso entre a
voz e as expressões faciais de Mordechai e sua significação são angustiantes na
medida mesma em que demarcam a incongruência entre sorriso e testemunho, entre imagem e voz, indicando
talvez a impossibilidade da representação. O estranhamento da cena gerado pela
expressão daquele que relata e sua uma dupla tradução enfatiza o abismo que se
interpõe entre a experiência nos campos de concentração e a expressão dessa
mesma experiência. Impossibilitados de imaginar a experiência, experimentamos a
angústia dessa impossibilidade da linguagem.