sábado, 8 de novembro de 2014

Shoah: o sorriso de Mordechai e o impossível da linguagem













Mordechai é polonês. Tendo sido aprisionado em um campo de concentração nazista em Chelmno, integrou o Sonderkommando do campo. Sobrevivente, depôs no processo de Eichman. É um dos personagens do filme de Claude Lanzmann, Shoah, filmado por mais de 10 anos e lançado em 1985.
- O que morreu nele em Chelmno? Pergunta Lanzamann. Mordechai Podchlebnik responde: - Tudo morreu. Mas eu sou humano e quero apenas viver. Então tenho que esquecer.

Enquanto diz essas palavras Mordechai sorri.  Sorri durante a entrevista, sorri quando lhe perguntam se está vivo, sorri quando lhe perguntam por que sorri. Ele responde - O que quer que eu faça? Que chore? As vezes se chora, as vezes se sorri. E se você está vivo, melhor sorrir.


Mordechai fala em polonês. Originalmente sem legendas, uma tradutora revela ao espectador o sentido das palavras de Mordechai em francês. Brasileira, eu leio a legenda em português que me traduz, não a fala de Mordechai diretamente, mas a fala da tradutora francesa. Esse atraso entre a voz e as expressões faciais de Mordechai e sua significação são angustiantes na medida mesma em que demarcam a incongruência entre sorriso e testemunho, entre imagem e voz, indicando talvez a impossibilidade da representação. O estranhamento da cena gerado pela expressão daquele que relata e sua uma dupla tradução enfatiza o abismo que se interpõe entre a experiência nos campos de concentração e a expressão dessa mesma experiência. Impossibilitados de imaginar a experiência, experimentamos a angústia dessa impossibilidade da linguagem.