sábado, 12 de julho de 2014

CINEMA MARGINAL PARA ALUNOS DO ENSINO MÉDIO. POR QUÊ?

Cinema Marginal designa, talvez não da melhor maneira, parte do cinema produzido no Brasil entre as décadas de 1960 e 70 e que tem por característica o uso de câmeras portáteis, a prática amadora,  a marginalidade em relação ao cinema industrial, o baixo orçamento e o auto-financiamento, o exercício experimental e uma relação irônica com os modelos cinematográficos.

"Olho por Olho" de Andrea Tonacci - 1966.


Esta prática cinematográfica leva assim a uma outra estética que privilegia o experimentalismo em detrimento da teleologia que tanto o cinema hollywoodiano, quanto a televisão preservam em suas narrativas.


Na estética presente no audiovisual estadunidense (que prevalece com o amplo domínio do mercado nacional), a narrativa tende à significação unívoca, convencional, redundante. Assim, por exemplo, em parte representativa dos seriados policiais ou investigativos, cada peça de evidência leva a uma verdade única que é desvelada pelo processo. Tudo o que o espectador tem a fazer é acompanhar a trama de desvelamento. Essa estética pressupõe que atrelado a cada evento, a cada gesto, há uma significação única. 

De modo diverso, o experimentalismo do Cinema Marginal brasileiro implica em uma estética em que a descontinuidade se apresenta e os eventos não têm um fim ou uma significação determinada e única. A pergunta que permanece quando assistimos a estes filmes, gostemos deles ou não seria algo como "Mas que diabos isso significa?!". É a própria relação de causalidade entre os eventos, sua lógica e significação que nos interroga.

Pois bem, acostumados com novelas, seriados enlatados e filmes hollywoodianos, nossos alunos e, sejamos francos,  nós mesmos (certamente não por escolha) desconhecemos parte importantíssima de um constructo cultural nacional relevante que poderá se constituir para nossos alunos e para nós - em conjunto e contradição com os produtos da indústria cultural - em oportunidade de prática de reflexão histórica.

Assim, o conjunto de posts que passaremos a publicar a seguir tem  propósito de fornecer aos interessados em seu conjunto, mas principalmente aos professores e alunos do ensino médio, estratégias de abordagem deste rico acervo da cultura nacional, bem como material auxiliar tais como: entrevistas, artigos, filme relacionados, etc.

Dizia Jairo Ferreira em seu belíssimo livro, "Cinema de Invenção":
"Ser didático sem ser didático. Evidentemente para discorrer sobre a estética do experimental em nosso cinema é preciso muito engenho e muita arte, pois as suas origens são absolutamente incertas. Melhor assim: quanto menos história, mais poesia."

Não com pouca frequência a história é colocada em oposição a arte. Se temos história é a arte que escasseia e vice-versa. Um primeiro desafio seria abordar o cinema com a história e não em detrimento desta. Apostando no princípio da montagem ao qual recorre Walter Benjamin (cujos limites, aliás, o Cinema Marginal testa, pondo a prova os princípios da narrativa clássica) a história que se aproxima deste objeto, desta fonte, deste documento ou do monumento que é este cinema, deve fazê-lo, tal como o montador, tal como o editor de cinema, que superpõe imagens, sons e palavras para criar significação. Esta aproximação não será fácil.

Benjamin capturou no "tempo homogêneo e vazio" da narrativa histórica a sua fonte opressora e reacionária. Os diretores do tal Cinema Marginal parecem ter capturado o mesmo problema na narrativa cinematográfica tradicional. Teremos aí nosso ponto de partida e nosso método (a montagem). 

O Bandido da Luz Vermelha, personagem filmado por Sganzerla, diz  no  filme: "Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha." A tática irônica da esculhambação é conhecida de nossos alunos e podemos facilmente reconhecer nela uma resistência às práticas de poder que sustentam a estrutura escolar. Mais interessante que isso é que, de certa maneira, a esculhambação (hoje chamaríamos de esculacho) se constitui, por vezes, numa forma paródica das práticas de podere, que,  neste sentido, as expõe, quase didaticamente. Assim, esse cinema nascido sob a ditadura empresarial-militar potencializa a reflexão sobre a relação entre narrativa histórica, tempo, estética e poder. É por esta razão que esse cinema não deve estar fora do alcance de nossos  alunos.